Sombras no beco
O som de gotas que caía sobre o asfalto ecoava pela rua próxima e irritava quem ouvisse. Era uma madrugada nebulosa, capaz de confundir qualquer um que andasse pela rua àquela hora. O rapaz saíra de um bar; bebera, surpreendentemente, uma quantidade moderada e só ficara no bar para adiar a voltar para casa. Nem poderia chamar de casa o quarto que alugara numa pensão qualquer. Estudava muito, morava em um lugar modesto e gastava seu dinheiro com livros de sebos. Devorava-os avidamente, como se as folhas gastas que contemplava indicassem a sabedoria esperançosa que salvara muitos da alienação.
A aparência do rapaz não importava muito. Podia-se dizer que era alto, moreno e usava um sobretudo, em que as mãos se escondiam dentro do bolso para afugentar o frio.
Algumas pessoas passavam por ele, absortas em conversas inúteis sobre celebridades, tempo e afins. Nada que importasse muito. O rapaz entrou num beco entre alguns prédios com paredes de tijolos extremamente antigas. Ao fundo o jovem ouvia o som da TV localizada em um quarto aleatório dos prédios de cinco andares. Passava os típicos programas de entretenimento para a madrugada. Será que quem os assistia sentia a solidão urbana que o aplacava?
A realidade para o rapaz parecia bem relativa. Enquanto preocupava-se em refletir acerca de ideias filosóficas, o restante dos que conhecia preferia isentar-se de tal discussão. “Afinal, para que discutir assuntos que muitas vezes não possuem respostas?”, pensou ironicamente. Se soubessem o quanto aquelas questões iluminavam a concepção de quem somos…
O beco estava precariamente iluminado. Algumas sombras passavam por ele, mas eram praticamente indefiníveis. Possivelmente um gato explorando a lata de lixo, ratos passando furtivamente entre restos de alimento. Naquele beco, as sombras pareciam enormes. Ilusões. Não eram iguais ao que se visualiza no mundo dos sentidos. Num beco, o rato pode tornar-se gigante e trazer um medo devasto. Mas, na realidade, era apenas um bichinho à procura de alimento. O gato, miticamente, pode ser assustador; entretanto, era só uma bola de pelos.
O rapaz continuava a andar, não sabia ainda por onde passava. No fundo, pressentia que em cada passo e pensamento residia uma superação daquilo que tratava como verdade absoluta. Era preciso o momento de questionar as sombras que via e pensar se não havia algo além delas.
À sua frente havia uma rua deserta, mas bem iluminada. Já era manhã, nem percebera; após a escuridão que vira, a luz que encontrou pertencia ao sol ainda iluminando timidamente o asfalto e os prédios. Porém, era uma luz significativa, o jovem percebeu a mudança pela qual passara. Não era mais alguém que sonhava em encontrar apenas a sabedoria dos livros. Não, essa sabedoria encontrava-se em cada pergunta que fez diante das sombras. Gatos e ratos podem ser muito mais do que se contempla no meio de uma neblina.
P.S. É um rascunho, ainda vou estender a história :p
Marina Franconeti Ver tudo
Escritora e mestranda na USP em Filosofia, na área de Estética, pesquisando Manet e o feminino. Ama pintar aquarelas, descobrir a magia oculta nas tintas e na prosa do mundo.
Acho impressionante a capacidade que você tem de descrever uma cena, um lugar, uma situação! Adoro!!
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Alegoria da caverna do Platão! É a única coisa que se pode ser dita nessa ocasião…
E eu lembrei da música dos “Los Hermanos – Cara estranho”, quando eu comecei a ler o texto.
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Acho impressionante a capacidade que você tem de descrever uma cena, um lugar, uma situação! Adoro!! [2]
acho q vc deveria ler Crime e castigo
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