Confissões de um jovem romancista, de Umberto Eco
Resenha publicada no site Indique um livro
Editora Cosac Naify (2013), 190 páginas.
Confissões de um jovem romancista é um pequeno relato que Umberto Eco dirige ao leitor. Com uma fluidez e simplicidade que encaminham a obra tal qual uma conversa, ele conta, inicialmente, a proposta deste livro como sendo um “jovem” autor confessando as experiências após o sucesso do seu primeiro romance O nome da rosa, publicado em 1980. É um “jovem” romancista porque iniciou sua carreira na escrita literária há pouco mais de vinte e oito anos.
Após o sucesso que tornou o livro um best-seller, adaptado ao cinema em 1986, Eco nos conta, nos dois primeiros capítulos, o processo de criação de O nome da rosa, O pêndulo de Foucault, A ilha do dia anterior. Aqui, em vários momentos, ao comentar com um amigo que você está lendo este livro, irá se ver dizendo “ah, o Umberto me disse que…”. Isso foi realmente inevitável, pois a primeira parte da obra é uma grande conversa, tão agradável quanto estar tomando café com Eco confortavelmente sentado numa poltrona. Ele nos deixa seguro, diz que não há problema no seu romance ter elementos semelhantes a outros. Partimos de “topos literários”, há arquétipos na escrita e o que está em jogo é o escritor criar a sua própria voz. E isso Umberto Eco faz muito bem. Ele conta que desenhava o projeto arquitetônico dos prédios que cita em O nome da rosa, que passeou várias vezes de madrugada por Paris contando em um gravador de voz o que via, criava esboços de personagens e lugares.
É com um certo gostinho de triunfo e uma alegria juvenil que Eco nos relata os elementos e suas referências que se propôs a inserir nas entrelinhas de sua obra. E nós ficamos maravilhados. Eco fala em escrita criativa, como se valoriza ou não um texto filosófico e uma obra literária, os autores que leu com tanto carinho e como ele guardou, quase inconscientemente, a ideia do livro com páginas que envenenam o padre que depois virou a premissa de O nome da rosa.
O terceiro capítulo já traz uma temática um pouco mais árida. Contudo, quando conduzido por Eco, ele se torna compreensível e uma grande introdução à semiótica. Com a pergunta (que todos nós nos fazemos) sobre como nos emocionamos com personagens de ficção e por que conseguimos chorar e levar a sério a morte de Anna Karenina, Eco faz uma análise profunda sobre a concepção de personagens, significante/significado, como personagens se tornam tão importantes para o imaginário virando “indivíduos flutuantes em partituras flutuantes”.
O último capítulo aborda um ponto que, normalmente, deixamos passar em branco: as listas na literatura. É um capítulo com certa dificuldade de compreensão para acompanhar, logo de início, mas logo o leitor se acostuma com ele. Por quê? Normalmente, não lemos sobre o assunto e se listas aparecem em um conto ou romance, é apenas em um pequeno momento. Aqui é um capítulo inteiro falando do interesse em colecionar palavras com uma bela sonoridade, elementos que expandem o cenário narrado e como autores (Proust, Poe, Homero) a usaram como um instrumento importante. O capítulo traz vários exemplos da literatura e outras compostas pelo próprio Eco. Ao fim do livro, você terá vontade também de brincar com as palavras em listas.
Desta forma, a obra de Umberto Eco foge do lugar comum quando tratamos de um relato. Em vez de alimentar o livro com frases de efeito ou apenas histórias muito particulares, Eco ajuda novos escritores contando um pouco de seu estudo e como ele aprendeu a se relacionar e a gostar da língua. Confissões para um jovem romancista é um livro feito para todos aqueles que são escritores em formação. E isso nunca cessa.
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Marina Franconeti Ver tudo
Escritora e mestranda na USP em Filosofia, na área de Estética, pesquisando Manet e o feminino. Ama pintar aquarelas, descobrir a magia oculta nas tintas e na prosa do mundo.