Carne em pedra
Há homens de mármore ocultos no céu.
Eles adotam nosso gesto humano,
Recebem o olhar supremo,
Como de quem manda nas nuvens,
E exerce o seu inteiro respeito.
Tais homens respiram
No alto impossível que entrecorta o celeste.
Não podem marchar pelas ruas,
Mas alcançam contornos profundos
Que sabem guardar a verdade
Da mais promissora chuva.
Suspiram os homens o sopro do tempo.
Nós, deste manto cinza aqui embaixo,
Pouco sabemos da chuva que cai nesta pedra.
Porém, eles abraçam o eterno
Em que mãos humanas aqueciam o mármore.
Formou-se, do gelo, o calor do artifício,
De um toque e gesto reunidos na carne
Para dar à pedra a semelhança
De tal homem de sangue
Que a rocha branca embalava.
Pedra e carne quente,
Homem e divindade,
Respiravam o mesmo tempo,
Em uníssono eram mármore.
Ou eram carne,
Por um instante infinito.
Com o mármore dilacerado,
A pedra cantava ao toque do artista,
Talhando olhos e corpos,
Músculos e poses
Com ensejos de tocar o céu.
Ao olhar a obra antes de dormir,
E cobri-la com o tecido de seda,
O artista proferia a pergunta
Ao atelier escuro:
Serei eu pedra que formula carne,
Ou carne que injeta vida em mármore?
A escuridão não respondia,
Nunca nada era dito.
Apenas o relógio anunciava o fim de uma noite,
E menos um dia de vida
Para o pequeno criador.
Mas a forma debaixo do tecido sentia
O peito subir,
O peito descer,
E fechava os olhos para a escuridão,
Entrando em uma nova que lhe dizia
O segredo guardado nas veias de pedra
Talhadas pelo artista
Que nunca viveria em vão.
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Créditos de imagem: O Arco do Triunfo – Marina Franconeti
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Marina Franconeti Ver tudo
Escritora e mestranda na USP em Filosofia, na área de Estética, pesquisando Manet e o feminino. Ama pintar aquarelas, descobrir a magia oculta nas tintas e na prosa do mundo.