Ordem invertida

A quarentena me fez retomar a escrita de poesia, que não faço há dez anos. Escrevi Ordem invertida pensando na palavra como se fosse um feitiço, para que a gente encontre algum conforto na interioridade das casas.
Deixo que elas cheguem
Aquecidas do centro solar
E repousem nas mãos
Como passarinho que regressa
Ao ninho que pertence.
Às palavras estreladas de musgo,
Nascentes na natureza,
Eu peço que acalentem
O medo do isolamento dos seres.
As falas entrecortadas de morte e disputa,
Palavra ensandecida ao apartar as espécies
Humano e animal relembrados pelo espelho.
Somos feitos do mesmo céu.
Peço que venham as palavras do outro lado,
Aquelas que deveríamos usar desde o princípio,
A palavra que busca descansar no outro
E volta para plantar e crescer em mim.
Envie a nós os fios que comunicam,
Diretamente do calor central,
Para criar, crescer e expandir.
Tudo o que peço é um feitiço dos alquimistas antigos,
Produzindo uma invencibilidade bem no cerne da melancolia,
Transformar azul em rosado,
De palavras oriundas do centro humano e terrestre,
Para, assim, fundar
Um lar dentro de um lar.
Um buraco infinito no tronco da árvore.
Um universo com as ordens invertidas:
O quarto com o céu no chão
e a sala convidativa como floresta.
As nuvens sairão pelas frestas,
E a Terra toda honrada no teto
Até que a casa nos proteja como a natureza sempre desejou.
Para que, então, as pessoas vejam a si mesmas
Na Terra que compõe o teto,
Dos continentes acima das cabeças.
Respiremos um ar purificado de humanos,
Quando nos deitamos em repouso para desacelerar
E, finalmente, viver.
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Marina Franconeti Ver tudo
Escritora e mestranda na USP em Filosofia, na área de Estética, pesquisando Manet e o feminino. Ama pintar aquarelas, descobrir a magia oculta nas tintas e na prosa do mundo.
A volta de uma poeta é sempre motivo de comemoração.
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